quinta-feira, dezembro 29, 2005

Só lido - porque contado ninguém acredita.

Contextualizando, alguns alunos americanos, provenientes de escolas religiosas, sentem-se discriminados quando se candidatam às universidades. As universidades defendem-se, dizendo que não é uma questão de discriminação mas sim de padrões de exigência elevados. No centro da discórdia estão os livros usados nas escolas religiosas, principalmente editados pela Bob Jones University Press, que, segundo a Universidade da Califórnia, não transmitem os conhecimentos geralmente aceites na comunidade científica e, como tal, não permitem aos alunos uma preparação adequada para a entrada na universidade.

Segue-se um excerto da introdução do livro "Biology for Christian Schools" da referida editora:

"The people who have prepared this book have tried consistently to put the Word of God first and science second. To the best of the author's knowledge, the conclusions drawn from observable facts that are presented in this book agree with the Scriptures. If a mistake has been made (which is probable since this book was prepared by humans) and at any point God's Word is not put first, the author apologises."

É caso para dizer: "Cristo Rei, Aleluia!!!"

quarta-feira, novembro 23, 2005

Ironicamente - a banana, cuja existência está inexoravelmente associada a piadas mal-intencionadas, é um fruto que se reproduz assexualmente. Efectivamente, uma característica, entre outras, que torna a banana um fruto tão simpático é a inexistência de caroços. Mas nem sempre foi assim. Ao que parece, as primeiras bananas selvagens tinham caroços, e bastantes. Porém, o aparecimento aleatório de bananas mutantes, sem caroços, colheu a atenção e a preferência dos produtores (e consumidores) de bananas, que começaram a clonar bananas, em vez de as semearem. Este facto, embora tenha tornado mais apetecível o consumo de bananas, torna-as mais vulneráveis a pragas e doenças, que podem resultar na sua extinção. De facto, este foi o destino da variedade Gros Michel, que não conseguiu sobreviver à doença do Panamá. Actualmente, a variedade mais comum, e que pode ser facilmente encontrada em qualquer supermercado, é a Cavendish, que também não é imune aos ataques de pragas. É curioso como “pequenas” coisas que damos por adquiridas, no nosso dia-a-dia, podem deixar de existir, assim, de um momento para o outro…

domingo, novembro 06, 2005

A noite - chegou mais cedo. O vento uivava lá fora. O ar frio e cortante entrava pelas frestas das janelas conferindo ao quarto um ambiente gélido e agreste. Porém, no centro da cama, envolvida nos braços ternos e maternais da manta sentia-me protegida, num castelo rodeado de muralhas com ameias. Antes de me render perante o cansaço que me pesava nas pálpebras, vi-te entrar de uma forma doce e consentida. Subias os poucos degraus que separam o mundo lá fora da minha porta. Subiste, pé ante pé, linha após linha, nos poemas do Mestre.

Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos…”. Eu fiquei extasiada com o brilho que tu irradiavas, com o quente perfume a música que me aconchegava no frio da noite. “Murcharam mais flores do que as que havia no jardim…”. E ali estávamos nós, suspensos num momento. Tu avançaste na minha direcção. Ah, tanto que eu queria ter dito… Mas não. Nada consegui dizer. “O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,”. Catedral de silêncios eleitos. Catedral de silêncios. Silêncios! Silêncios… Sem conseguir articular uma frase, por mais estúpida que fosse, quebrei o momento com um gesto brusco.

Tu, enlaçado no meu sono, foste embora, para longe. Eu fiquei ali, à porta. “E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim[1]. Os olhos pesavam cada vez mais, mas os versos estalavam-me nos ouvidos, como o repicar dos sinos. O momento perdeu-se para sempre e foi sob o manto escuro e frio do silêncio que finalmente me deixei envolver, cansada de nada ter dito.



[1] Hora Absurda, Fernando Pessoa.

domingo, agosto 21, 2005

Quase deixava que isto me passasse ao lado...

sábado, agosto 13, 2005

"A sorte - é o nome que os tolos dão ao destino."
As palavras - já estão gastas de tantas vezes serem repetidas. Os slogans, por mais apelativos que sejam, parecem cair em saco roto, pois os mesmos comportamentos são observados, ano após ano.

Antigamente, o fenómeno parecia estar circunscrito aos rafeiros ou de raça indefinida. Actualmente, nem as elites (entenda-se, os de raça pura) escapam. É verdade, chega o mês das férias e o número de animais abandonados dispara em flecha.

Nos dias de hoje, já existem várias soluções para o problema de arranjar alguém a quem confiar o seu animal de estimação durante o tempo das férias, que passam por pedir a algum conhecido que cuide do seu animal, recorrer aos estabelecimentos especializados neste tipo de serviços, ou ainda participar nos programas de intercâmbio de animais, que têm sido organizados cada vez com mais sucesso (por exemplo, a Câmara Municipal de Lisboa e a Liga Protectora dos Animais organizam este ano um programa com estas características).

Por isso, não invente mais desculpas esfarrapadas para abandonar aquele que, sem dúvida alguma, é um dos seus melhores amigos. Não abandone o seu animal de estimação!

domingo, julho 31, 2005

Acabei de marcar o meu código multibanco no micro-ondas, quando tentava aquecer o jantar. Não me parece que isto seja bom.
Há certas coisas para as quais já não tenho idade. Andar de carrossel é, certamente, uma delas. Ali estava eu, contigo, a única pessoa capaz de me convencer a entrar naquela frágil cabine, inspeccionando a segurança da barra de protecção, dos cabos de aço que nos sustinham, da trave que nos ligava ao engenho central. Deve ser a única coisa que não mudou, esta minha tentativa desesperada de garantir a nossa segurança. Isso, e a tua paciência infindável, para, repetidas vezes, proporcioniais ao tempo de espera, me mostrares que o cinto de segurança estava efectivamente bem preso e que não se ia soltar no momento do arranque do carrossel. Longos minutos de repedidas voltas, primeiro para a frente, depois para trás, e, finalmente, para a frente de novo. Tu rias a plenos pulmões, cada vez que a cabine nos deixava sem norte. Rias e rias e rias. Tanto que, apesar de todo o meu desconforto*, eu teria rido também, não fosse o facto de não conseguir emitir o mais pequeno som à velocidade que iamos. Depois, de volta ao chão, pude constatar que a terra deixou de ser firme e balouçava, ora para um lado, ora para o outro, durante toda a nossa caminhada. E assim permaneceu, largos minutos, horas.

* Devo salientar que a qualidade do leitão, do melhor que eu tenho comido, do "Pedro dos Leitões", tem a sua responsabilidade neste desconforto.
Errar da forma que tu o fazes, ou melhor, errar e assumi-lo da forma que tu o fazes, resume, num pequeno mas doloroso episódio, a tua essência encantadora: és tão racional quanto uma pessoa deve procurar ser e tens de emocional aquilo a que a nossa natureza nos obriga. Talvez um pouco mais. E este lado emocional é o tanto que basta porque é verdadeiro, gota a gota. É por estas duas razões (o teu eu aos meus olhos) que partilhar contigo esta amizade curta mas interminável é uma riqueza inigualável.

domingo, julho 24, 2005

O verdadeiro génio é aquele - que não tem limites. Que consegue transformar as fraquezas em forças, que vence as adversidades, para as tornar em grandes feitos, faça sol ou faça chuva... Que tendo consciência das suas excepcionais capacidades, não tropeça na soberba. Que convida os outros a participar nos seus feitos, partilhando e multiplicando a alegria por todos. Enfim, que dizer... Donington Park, 15h00, ceú muito nublado, chuva intensa e um espectáculo memorável, impróprio para cardíacos!
Depois de alguma espera na fila - finalmente, o tão desejado pedido:

- O que é que vai ser?
- Pêssego e meloa, se faz favor.
- Disse moka?
- Sim, meloa.
- Com certeza, pêssego e moka.

Foi graças aos pequenos desvios ao livre arbítrio que eu descobri que gelado de moka é absolutamente delicioso.
"Estes livros salvaram-se de ser queimados" - é um dos títulos em destaque na capa do Público deste Domingo. À semelhança do Index e dos líderes nazis, também o Ministério da Educação e da Cultura português, em 1974, mandou destruir os livros de "índole fascista".

Confesso que fiquei boquiaberta quando li esta notícia. Este episódio, verdadeiramente lamentável (lamentável por si próprio, mas também por aquilo que deixava antever), não faz parte da história que nos é contada nos livros da escola. A existência deste último auto-de-fé (será?) em Portugal mostra como existem certos aspectos da vivência humana que insistem em eternizarem-se, repetindo-se, sem que as lições do passado seja aprendidas...

segunda-feira, julho 18, 2005

Este foi um daqueles fins-de-semana de barriga cheia e pouco sono. Dos bons. Numa daquelas terras com nome curioso (escolhi como certo o relato de que "certo Rei, aquando das guerras com Castela, se refugiou numa quinta ali existente e se viu em apuros com o inimigo. Posteriormente terá afirmado que ali se vira em “palpos de aranhas” e assim foi cognominado o lugar": Aranhas), em que os sinos assinalam as horas e as meias horas, em que a agitação na rua começa às cinco da manhã, em que os estabelecimento comerciais se contam com os dedos de duas mãos e em que bem receber é sinónimo de bem comer. Ai, os queijos, os queijos!

P.S: Quem quiser festa rija...

domingo, julho 10, 2005

Quem não sabe é como quem não vê - lá diz o ditado popular com muita razão. Porém, existe muita gente que não sabe mas, por incrível que possa parecer, acha que vê e vê melhor e mais longe do que os outros, aqueles que efectivamente sabem. Em portugês corrente, estas personagens são apelidadas de "chicos-espertos". Infelizmente, esta espécie não está em risco de extinção e não está restrita a nenhum habitat pefeitamente circunscrito. Antes pelo contrário, expande-se ao ritmo da pragas de gafanhotos e ocupa qualquer território indiscriminadamente.

Quando estava descontraidamente a fazer uma contas, num guardanapo de pastelaria, para ter uma ideia concreta do valor da probabilidade de sair a alguém o jackpot do Euromilhões, fui interrompida por uma questão colocada por uns olhos dardejantes:
- Está a fazer contas?
Ao que eu respondi que sim e expliquei o objectivo das mesmas. Mal tinha terminado a minha explicação, que não foi demasiado detalhada, por antecipar falta de compreensão do meu interlocutor, já ele me dizia, categoricamente, que eu estava completamente errada! Alguém, que eu não percebi quem, já lhe tinha explicado que "isso estava relacionado com os 76 milhões de pessoas que jogam".

Perante isto, a única coisa que se pode fazer é não insistir...
"As pedras da calçada" - afiançou-nos - "fui eu que as mandei pôr".

Imaginei, rapidamente, o trabalho meticuloso de, uma por uma, colocar as pedras, ora brancas, ora azuis, com a exacta distância para que, quando o passo firme e apressado de uns sapatos de senhora se atravessassem no seu caminho, pudesse, com precisão, qual dentista de alicate em punho, prender a capa que terminava o salto. ´

Toca numa banda, parece. Nunca vi. Nunca ouvi. Confesso mesmo que pensava que aquele senhor (cujo nome está, orgulhosamente, gravado na dianteira do avental de couro, mas que, neste instante, não me vem à memória) ficava ali, parado, mesmo de noite, naquele quadro de sapatos emaranhados, emoldurado pela pequena porta de madeira, sempre aberta.

"Adeus e obrigada!". "Adeus! E que se estraguem depressa!".

domingo, julho 03, 2005

Adriana Partimpim, 2 de Julho, 21.30 (22.05 para ser exacta. Às 21.30 ainda havia muita gente que, calmamente, procurava entrar. E às 21.40, e às 21.50 e às 22.00 e às...), castelo de Montemor-o-Velho. Um concerto delicioso, onde "quase tudo o que faz barulho" teve lugar: brinquedos, relógios de corda, sacos de plástico, água, pratos e colheres de sopa... E muitas histórias de gatos.

segunda-feira, junho 27, 2005

O que me chamou a atenção foi a mesinha, à direita da entrada, com vários livros empilhados e, ao centro, em letras gordas, o cartaz dizendo "Eugénio de Andrade (1923-2005)". Eram livrinhos pequenos, gastos, capas telegráficas. Peguei, um por um, e folheei, cuidadosamente. Mas o livro que haveria de comprar ainda não se tinha, nessa altura, desvendado. Escondido por um outro, encontrei, largos minutos passados, um livro de capa branca interrompida pelo retrato a preto: os óculos, o bigode, o chapéu. Fernando Pessoa – poesias escolhidas por Eugénio de Andrade. Li, ali mesmo, uma porção de poemas e mais tarde no carro e mais tarde ainda em casa, finalmente em casa, partilhámos, ao acaso, versos soltos, primeiro, na pressa de descobrir, poemas completos, depois. Pessoa é, para mim, arrebatador, cru, denso. Espero apenas que não se afaste de mim como se afastou de Eugénio de Andrade, “de maneira discreta, como era a sua”. É, na verdade, um prazer imenso poder desfrutá-lo.

“Dizem?
Esquecem.
Não dizem?
Dissessem.

Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.

Por quê
Esperar?
−Tudo é
Sonhar.”

Fernando Pessoa (1926) em “Fernando Pessoa, poesias escolhidas por Eugénio de Andrade”, Campo das Letras.

domingo, junho 26, 2005

Os seus olhos azuis - faíscaram num misto de curiosidade e ansiedade. "Sentem-se aqui ao pé desta senhora que ela não se importa, pois não?", perguntou retoricamente o empregado de mesa, num tom gentil mas autoritário, de quem nem sequer pensou na possiblidade de receber uma resposta contrária ao seu desejo de sentar mais uns clientes.

Assim, pelo acaso do destino (e pela vontade do sr. Fernando, que tenta gerir da forma mais eficiente possível os parcos lugares sentados do seu café-restaurante) enquanto saboreámos um almoço rápido, que a fome transformara num verdadeiro manjar dos deuses, fomos convidados a a entrar na sua vida, tão repleta e colorida quanto uma vida de 83 anos pode ser.

A simpatia era natural e a vontade de conversar mais do que muita. Mas o que mais me chamou à atenção e me cativou quase instantaneamente foi a forma delicada e cautelosa como iniciou e deu continuidade à conversa. A viuvez, a antiga profissão, as dores nos ossos, a paixão de menina pelos chocolates - retratos instantâneos de uma vida cheia de "estórias" para contar foram generosamente partilhados connosco.

No fim do almoço, na hora da despedida inevitável, com um sorriso rejuvenescido e palpitante, despediu-se de nós desejando "que corra tudo bem" e, inesperadamente, revelando uma extrema (e, talvez, amarga) lucidez, agradeceu-nos a nossa companhia. Ela, que, generosamente, tinha acedido a que partilhássemos a sua mesa, agradecia-nos a nossa companhia!

Como a solidão me assusta...
O prometido - é devido.

Cara AG,

Depois de ter tomado consciência da forma como o poema que citei anteriormente afectou negativamente o seu estado de espírito (agravado pelo facto de a acção ter tomado lugar numa segunda-feira - dia nefasto, não por ser o início da semana de trabalho, mas por implicar o fim da proximidade com a "luz dos seus olhos"), espero conseguir redimir-me com este novo poema.

"É, só eu sei
Quanto amor eu guardei
Sem saber que era só
Pra você

É, só tinha de ser com você
Havia de ser pra você
Senão era mais uma dor
Senão não seria o amor

Aquele que a gente não vê
Amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você
Amor que chegou para dar
O que ninguém deu

É, você que é feito de azul
Me deixa morar nesse azul
Me deixa encontrar minha paz

Você que é bonito demais
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim


Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira

sexta-feira, junho 10, 2005

Não sei bem explicar porquê - mas há algum tempo atrás deixei completamente de ler poesia. Felizmente, por vezes, gosto de contrariar as regras que imponho a mim própria. Especialmente, quando depois de algum tempo, não me consigo recordar do motivo que levou à sua instauração. Foi num desses momentos de rebeldia que peguei no Livro Sexto e me deixei maravilhar com a forma como duas ou três pinceladas chegam para pintar um quadro completo de sensações e ideais. Talvez porque seja uma leitura ao estilo IKEA (os mais puristas que me perdoem a comparação tão profana). Cada um leva um kit de montagem para casa e no final todos têm um móvel perfeitamente igual, mas totalmente diferente. Afinal um dos grandes encantos da poesia é dizer tudo sem dizer praticamente nada...

«Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente»



Sophia de Mello Breyner Andersen, Livro Sexto

terça-feira, junho 07, 2005

Será mesmo vã?

"Querer controlar o tempo é muito mais do que uma vã pretensão". Cara Clara, como nos iludem os sentidos! Pensemos nos dois gémeos que se separam: um permanece na Terra, o outro viaja no espaço à velocidade da luz (ou perto dela). Quando regressar da sua viagem, o segundo gémeo será muito mais novo que o seu irmão. Não se trata, precisamente, de controlar o tempo? De lhe retirar, ao tempo, toda a solidez com que o encaramos? De prender irremediavelmente a noção de tempo à noção de espaço?
De resto, não posso deixar de aplaudir os pensamentos da Clara. Se me é permitido acrescentaria apenas que a elevação, intelectual ou física, leva sempre a um ganho de tempo. No primeiro caso pelas razões óbvias; no segundo porque, efectivamente, os relógios avançam mais lentamente a maiores altitudes. Sugiro um bom livro, o mais longe possível da Terra.

domingo, junho 05, 2005

O tempo - é relativo. Não só relativo mas volúvel, inexorável, imparável e irreversível. Querer controlar o tempo é muito mais do que uma vã pretensão - é tantalizar a vida, infligindo um suplício eterno e sempre renovado a todos aqueles que o tentarem, pois certamente sairão derrotados desta refrega. Por mais que tentemos segurar uma porção de água na mão, gota a gota ela vai, inevitavelmente, fugindo.
O tempo foge! O tempo foge? Ou nós fugimos do tempo (pelo menos, do tempo que verdadeiramente interessa)? Dada a sua natureza intangível e impiedosa, por vezes parece que não é o tempo que passa por nós, mas nós que passamos pelo tempo. Pior ainda, passamos pela auto-estrada do tempo, sem portagens, sem respeitar o limite de velocidade e perdendo a oportunidade de calcorrear todos os lugarejos verdadeiramente interessantes e pitorescos, por onde serpenteiam as suas estradas nacionais.
Corremos afincada e estoicamente, adiando todos os potenciais desvios, para chegarmos o mais rapidamente ao tão famigerado destino. Aí, pensamos, já não vamos correr e então teremos tempo! Tempo para tudo o que sempre desejámos fazer, mas fomos adiando e sacrificando durante a viagem, com a desculpa de que não queríamos perder (o) tempo (tudo isto se torna mais cómico quando nos apercebemos que vivemos rodeados de miríades de aparelhos e instrumentos, cuja principal função é pouparem-nos tempo...). Enfim, tempo para verdadeiras viagens e não para contra-relógios.
Mas, e se esse tempo nunca chegar? Será que devemos fazer a viagem? Claro que sim!! A viagem, essa, vale sempre a pena. Aquilo que faz a diferença é a forma como nos comportamos como viajantes. Como disse Sebastião da Gama:
«Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.»
E somos mais e melhor quando ganhamos (e não, perdemos, como muitos julgam) tempo ao observar a forma como os raios de sol rasgam as nuvens no fim de uma tarde de Verão. Ganhamos tempo ao trocar um olhar, ao partilhar um sorriso e ao saborear uma boa conversa. Ganhamos tempo a ler um livro, a conquistar um objectivo, a lutar por uma ideia. Ganhamos tempo não a correr contra ele, mas sabendo apreciar a sua suave e doce cadência que nos permite estar sempre e simultaneamente no fim e a meio do caminho.