quarta-feira, dezembro 27, 2006

Perguntas e respostas

Eu acho que há dois tipos de perguntas incómodas: aquelas às quais não queremos dar resposta ou aquelas que não sabemos responder. No segundo caso, existem alguns tipos de pseudo-respostas instantâneas, adaptáveis às mais diversas situações – é só abrir o pacote, misturar e sai uma resposta, mais ou menos atabalhoada, do tipo:

Os cálculos ainda não foram feitos… Essa é uma pergunta muita interessante e existe uma tese de 400 páginas que se debruça exactamente sobre esse tema… De momento não tenho presente, mas vou verificar…

Quem não quiser optar pelo mais simples e sincero Não sei! tem ainda uma outra opção. No ano de 1637 (assim reza a lenda), o Sr. Pierre de Fermat estava a ler o segundo volume da Arithmetica de Diophantus e, no seguimento do estudo do teorema de Pitágoras, fez uma descoberta que viria a intrigar os matemáticos durante os próximos 300 anos. O Príncipe dos Amadores enunciou um teorema segundo o qual a potência de um número só pode ser escrita como a soma de duas potências (todas elas com a mesma ordem) se a ordem das potências for igual a dois. Perante a necessidade de apresentar uma demonstração para esta afirmação tão arrojada, o Sr. Fermat garatujou apenas:

Cuius rei demonstrationem mirabilem sane detexi hanc marginis exiguitas non caperet.

Para aqueles que não lêem latim (o que é uma falha imperdoável!), uma tradução livre:

Eu tenho uma demonstração verdadeiramente maravilhosa para esta proposição, mas a margem deste livro é demasiado pequena.

domingo, dezembro 03, 2006

Elegia fúnebre

Mágica

É uma estrada no céu silenciosa
Um anão sem ninguém que o suspeite
É um braço pregado a uma rosa
Um mamilo escorrendo leite

São edénicos anjos expulsos
Sonhando quietude e distância
São homens marcados nos pulsos
É uma secreta elegância

São velhos demónios ociosos
Fitando o céu bailando ao vento
São gritos rápidos, nervosos
Que destroem todo o pensamento

É o frio deserto marinho
Operando na escuridão
É o corpo que geme sozinho
É a veia que é coração

São aranhas jovens, pernaltas
Arrastando embrulhos para o mar
São altas colunas tão altas
Que o chão ameaça estalar

São espadas voantes são vielas
Passeios de todos e nenhuns
São grandes rectas paralelas
São grandes silêncios comuns

É uma edição reduzida
Das aras da história sagrada
É a técnica mais proibida
Da mágica mais procurada

É uma estrada no céu silenciosa
Por um domingo extenso e plácido
É um anoitecer cor-de-rosa
Um ar inocente, ácido

in Manual de Prestidigitação, Mário Cesariny

sábado, dezembro 02, 2006

É um link de um blog secreto, caso contrário eu daria os devidos direitos de achamento*

"Encontrei" este blog de fotografia. Vale a pena ver.

* Provavelmente, das palavras mais feias da língua portuguesa.

Sobre o caso Richards

Não concordo nada com isto e estou absolutamente de acordo com isto. No primeiro, não percebo bem a tentativa de generalização ("Kramer perdeu a cabeça, como outras pessoas perdem a cabeça, por exemplo no trânsito") e não vejo desculpa possível ("Kramer quis aleijar, e levante-se o primeiro santo que nunca quis magoar"). Relativamente ao segundo, acho que o racismo (como qualquer outra tentativa de hierarquização social) é, apenas e só, uma ideologia - o conceito de instinto é uma confortável forma de desresponsabilização. Momentos de cólera, sobretudo tão desproporcionada como a de Michael Richards, devem fazer-nos pensar, mas, acima de tudo, devem fazer pensar o próprio Richards. E todos os Richards que reagem de forma semelhante, alegando, à posteriori, surpresa e consternação.

A mim, as imagens chocaram-me. Era uma fã incondicional de Kramer. Definitivamente, não de Michael Richards.