terça-feira, julho 15, 2008

Dizia a mim mesmo que era completamente vão esperar para Atenas e para Roma essa eternidade que não é concedida aos homens nem às coisas e que os mais judiciosos dentre nós recusam mesmo aos deuses. Estas formas sábias e complicadas da vida, estas civilizações perfeitamente à vontade nos seus requintes de arte e felicidade, esta liberdade do espírito que se informa e que julga dependiam de possibilidades inumeráveis e raras, de condições quase impossíveis de reunir e que não devíamos esperar que durassem. Destruiríamos Simão; Arriano saberia proteger a Arménia das invasões alanas. Mas outras hordas viriam, outros falsos profetas. Os nossos fracos esforços para melhorar a condição humana seriam apenas distraidamente continuados pelos nossos sucessores; pelo contrário, o grau de erro e de ruína contido no próprio bem cresceria monstruosamente ao longo dos séculos. O mundo, cansado de nós, procuraria outros senhores; o que nos havia parecido sábio parecerá insípido, abominável o que nos pareceu belo. Como o iniciado mitríaco, a raça humana tem talvez necessidade do banho de sangue e da passagem periódica pela fossa fúnebre. Via regressar os códigos selvagens, os deuses implacáveis, o despotismo incontestado dos príncipes bárbaros, o mundo fragmentado em Estados inimigos, eternamente vítima da insegurança. Outras sentinelas ameaçadas pelas flechas iriam e viriam no caminho da ronda das fortalezas futuras; o jogo estúpido, obsceno e cruel iria continuar, e a espécie, ao envelhecer, acrescentar-lhe-ia, sem dúvida, novos requintes de horror. A nossa época, de que eu conheço melhor que ninguém as insuficiências e as taras, seria talvez um dia considerada, por contraste, como uma das idades de ouro da humanidade.

Natura deficit, fortuna mutatur, deus omnia cernit.


in Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar

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