segunda-feira, junho 27, 2005
“Dizem?
Esquecem.
Não dizem?
Dissessem.
Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.
Por quê
Esperar?
−Tudo é
Sonhar.”
Fernando Pessoa (1926) em “Fernando Pessoa, poesias escolhidas por Eugénio de Andrade”, Campo das Letras.
domingo, junho 26, 2005
Assim, pelo acaso do destino (e pela vontade do sr. Fernando, que tenta gerir da forma mais eficiente possível os parcos lugares sentados do seu café-restaurante) enquanto saboreámos um almoço rápido, que a fome transformara num verdadeiro manjar dos deuses, fomos convidados a a entrar na sua vida, tão repleta e colorida quanto uma vida de 83 anos pode ser.
A simpatia era natural e a vontade de conversar mais do que muita. Mas o que mais me chamou à atenção e me cativou quase instantaneamente foi a forma delicada e cautelosa como iniciou e deu continuidade à conversa. A viuvez, a antiga profissão, as dores nos ossos, a paixão de menina pelos chocolates - retratos instantâneos de uma vida cheia de "estórias" para contar foram generosamente partilhados connosco.
No fim do almoço, na hora da despedida inevitável, com um sorriso rejuvenescido e palpitante, despediu-se de nós desejando "que corra tudo bem" e, inesperadamente, revelando uma extrema (e, talvez, amarga) lucidez, agradeceu-nos a nossa companhia. Ela, que, generosamente, tinha acedido a que partilhássemos a sua mesa, agradecia-nos a nossa companhia!
Como a solidão me assusta...
Cara AG,
Depois de ter tomado consciência da forma como o poema que citei anteriormente afectou negativamente o seu estado de espírito (agravado pelo facto de a acção ter tomado lugar numa segunda-feira - dia nefasto, não por ser o início da semana de trabalho, mas por implicar o fim da proximidade com a "luz dos seus olhos"), espero conseguir redimir-me com este novo poema.
"É, só eu sei
Quanto amor eu guardei
Sem saber que era só
Pra você
É, só tinha de ser com você
Havia de ser pra você
Senão era mais uma dor
Senão não seria o amor
Aquele que a gente não vê
Amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você
Amor que chegou para dar
O que ninguém deu
É, você que é feito de azul
Me deixa morar nesse azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonito demais
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim.»
Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira
sexta-feira, junho 10, 2005
«Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente»
Sophia de Mello Breyner Andersen, Livro Sexto
terça-feira, junho 07, 2005
Será mesmo vã?
"Querer controlar o tempo é muito mais do que uma vã pretensão". Cara Clara, como nos iludem os sentidos! Pensemos nos dois gémeos que se separam: um permanece na Terra, o outro viaja no espaço à velocidade da luz (ou perto dela). Quando regressar da sua viagem, o segundo gémeo será muito mais novo que o seu irmão. Não se trata, precisamente, de controlar o tempo? De lhe retirar, ao tempo, toda a solidez com que o encaramos? De prender irremediavelmente a noção de tempo à noção de espaço?
De resto, não posso deixar de aplaudir os pensamentos da Clara. Se me é permitido acrescentaria apenas que a elevação, intelectual ou física, leva sempre a um ganho de tempo. No primeiro caso pelas razões óbvias; no segundo porque, efectivamente, os relógios avançam mais lentamente a maiores altitudes. Sugiro um bom livro, o mais longe possível da Terra.