quarta-feira, novembro 23, 2005

Ironicamente - a banana, cuja existência está inexoravelmente associada a piadas mal-intencionadas, é um fruto que se reproduz assexualmente. Efectivamente, uma característica, entre outras, que torna a banana um fruto tão simpático é a inexistência de caroços. Mas nem sempre foi assim. Ao que parece, as primeiras bananas selvagens tinham caroços, e bastantes. Porém, o aparecimento aleatório de bananas mutantes, sem caroços, colheu a atenção e a preferência dos produtores (e consumidores) de bananas, que começaram a clonar bananas, em vez de as semearem. Este facto, embora tenha tornado mais apetecível o consumo de bananas, torna-as mais vulneráveis a pragas e doenças, que podem resultar na sua extinção. De facto, este foi o destino da variedade Gros Michel, que não conseguiu sobreviver à doença do Panamá. Actualmente, a variedade mais comum, e que pode ser facilmente encontrada em qualquer supermercado, é a Cavendish, que também não é imune aos ataques de pragas. É curioso como “pequenas” coisas que damos por adquiridas, no nosso dia-a-dia, podem deixar de existir, assim, de um momento para o outro…

domingo, novembro 06, 2005

A noite - chegou mais cedo. O vento uivava lá fora. O ar frio e cortante entrava pelas frestas das janelas conferindo ao quarto um ambiente gélido e agreste. Porém, no centro da cama, envolvida nos braços ternos e maternais da manta sentia-me protegida, num castelo rodeado de muralhas com ameias. Antes de me render perante o cansaço que me pesava nas pálpebras, vi-te entrar de uma forma doce e consentida. Subias os poucos degraus que separam o mundo lá fora da minha porta. Subiste, pé ante pé, linha após linha, nos poemas do Mestre.

Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos…”. Eu fiquei extasiada com o brilho que tu irradiavas, com o quente perfume a música que me aconchegava no frio da noite. “Murcharam mais flores do que as que havia no jardim…”. E ali estávamos nós, suspensos num momento. Tu avançaste na minha direcção. Ah, tanto que eu queria ter dito… Mas não. Nada consegui dizer. “O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,”. Catedral de silêncios eleitos. Catedral de silêncios. Silêncios! Silêncios… Sem conseguir articular uma frase, por mais estúpida que fosse, quebrei o momento com um gesto brusco.

Tu, enlaçado no meu sono, foste embora, para longe. Eu fiquei ali, à porta. “E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim[1]. Os olhos pesavam cada vez mais, mas os versos estalavam-me nos ouvidos, como o repicar dos sinos. O momento perdeu-se para sempre e foi sob o manto escuro e frio do silêncio que finalmente me deixei envolver, cansada de nada ter dito.



[1] Hora Absurda, Fernando Pessoa.