A noite - chegou mais cedo. O vento uivava lá fora. O ar frio e cortante entrava pelas frestas das janelas conferindo ao quarto um ambiente gélido e agreste. Porém, no centro da cama, envolvida nos braços ternos e maternais da manta sentia-me protegida, num castelo rodeado de muralhas com ameias. Antes de me render perante o cansaço que me pesava nas pálpebras, vi-te entrar de uma forma doce e consentida. Subias os poucos degraus que separam o mundo lá fora da minha porta. Subiste, pé ante pé, linha após linha, nos poemas do Mestre.
“Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos…”. Eu fiquei extasiada com o brilho que tu irradiavas, com o quente perfume a música que me aconchegava no frio da noite. “Murcharam mais flores do que as que havia no jardim…”. E ali estávamos nós, suspensos num momento. Tu avançaste na minha direcção. Ah, tanto que eu queria ter dito… Mas não. Nada consegui dizer. “O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,”. Catedral de silêncios eleitos. Catedral de silêncios. Silêncios! Silêncios… Sem conseguir articular uma frase, por mais estúpida que fosse, quebrei o momento com um gesto brusco.
Tu, enlaçado no meu sono, foste embora, para longe. Eu fiquei ali, à porta. “E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim”[1]. Os olhos pesavam cada vez mais, mas os versos estalavam-me nos ouvidos, como o repicar dos sinos. O momento perdeu-se para sempre e foi sob o manto escuro e frio do silêncio que finalmente me deixei envolver, cansada de nada ter dito.
[1] Hora Absurda, Fernando Pessoa.
domingo, novembro 06, 2005
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